As Ciências Sociais no Cinema
Arte e ciência nem sempre foram dois opostos, da emoção e da razão, como algumas pessoas entendem atualmente. Conforme explorado no texto “A sociologia como uma forma de arte”, do autor Robert Nisbet, arte e ciência eram, na época renascentista e iluminista, uma expressão criativa e explicativa da realidade, por exemplo o homem vitruviano de Da Vinci: uma representação artística que ao mesmo tempo estuda a anatomia e a geometria. Com a Revolução Industrial, sobretudo a divisão do trabalho, o método e a sistematização dos processos priorizaram o caráter utilitário do conhecimento. Assim, além de romper as duas coisas, a sociedade industrial foi dominada pela ciência, pois a necessidade de tecnologias demandada tirou dela o seu caráter de expressão da reflexão da mente, submetendo-a exclusivamente à indústria. Essa separação resulta na errônea inferência de que a arte está alheia à realidade e de que a ciência é puramente utilitária e indiferente aos sentidos. Apesar dessa separação, a sociologia e a arte se assemelham porque, diferente de outras ciências, elas são fonte de inesgotável capacidade de interpretação, absorção e inspiração a partir da releitura de suas obras. É devido à essa imaginação criativa que, tanto a arte quanto a sociologia, podem representar, cada uma a sua maneira, algum fenômeno social.
Nesse sentido, existem diversos exemplos de filmes, séries e livros nacionais e estrangeiros que dialogam com as Ciências Sociais. Um dos casos nacionais é o filme Que Horas Ela Volta (2015), dirigido por Anna Muylaert, que mostra um conflito de classes a partir do relacionamento de mãe e filha no ambiente de uma família de classe alta e como essa família reage mediante a ocupação de posições incoerentes à socialmente estabelecida. Outro filme interessante, dessa vez estadunidense, a ser levado em consideração é Corra! (2017), dirigido por Jordan Peele. O filme trata de maneira fictícia e extrema o racismo que pode acontecer em situações corriqueiras como conhecer os sogros no final de semana, fazendo uma caricatura bem construída e repleta de mensagens subliminares sobre questões caras para a luta anti racista.
Ilustrando esse diálogo expressivo entre a sétima arte e os estudos sociais, destacamos o premiado Parasita (2019), que como o termo sugere por antecedência, apresenta a partir de histórias cruzadas relações parasitárias extremas que permeiam a luta de classes; pessoas na linha da pobreza utilizando de artefatos extremos e subversivos como alternativa de ascensão à uma vida minimamente digna e, em contraste, uma camada que desfruta do luxo apoiada nesses outros indivíduos, sugando-lhes para a manutenção de suas necessidades e desejos. Bong Joon Ho, o cineasta coreano por detrás da obra, graduou-se no final da década de 90 em sociologia pela Universidade Yonsei, a mais antiga da Coreia do Sul, considerada uma zona do movimento democrático sul-coreano. Durante sua graduação, além de ser ativista no que dizia respeito às questões estudantis, integrou o clube de cinema da faculdade, o que seria seu primeiro passo de imersão profunda no universo cinematográfico.
O filme Parasita (2019) foi criado, co-roteirizado, dirigido e produzido por Bong Joon Ho e segue a história de duas famílias sul-coreanas, uma de classe alta, os Park, e outra de classe baixa, os Kim, mas que os caminhos se encontram nas relações empregatícias quando, um a um, os Kim vão sendo contratados para diferentes serviços na casa da família Park. Os paralelos traçados entre essas duas famílias, para além das atenciosas técnicas de filmagem e detalhes de cena e fotografia, explicitam as desigualdades sociais da Coréia do Sul, mostrando a relação entre a moderna elite sul-coreana e as camadas populares, que não foram abrangidas pelo “milagre econômico” das últimas décadas.
No filme, é possível enxergar a influência de um ponto de vista sociológico de Bong Joon Ho na família de destituídos, os chamados “colheres de barro”, ou seja, aqueles que nascem sem uma herança vinda dos pais, seja de riquezas ou de capital social, que buscam apenas uma ascensão. Cansados de uma vida em que são apenas telespectadores daquilo que não conseguem alcançar, principalmente pela falta de oportunidades. O conceito dos conflitos de classes da famosa discussão da sociologia de Capital vs. Trabalho é levado para dentro do ambiente doméstico com o seguir do filme, mostrando que no sistema capitalista moderno, a luta de classes ocorre em micro situações cotidianas, em parte, pelas novas relações de trabalho causadas pela tecnologia e terceirização extrema de serviços.
Não é incomum que o diretor premiado Bong Joon Ho utilize de seus filmes para explorar diferentes representações de dilemas sociais atuais, um exemplo é o filme Expresso do Amanhã (2013) que mostra, em um cenário distópico, um grupo explorado decidindo enfrentar o sistema organizacional que estão inseridos.
Autoria: Ana Luisa Alves de Miranda, Marcos Palmeira, Sofia B. de Oliveira e Vitória Moura e Sousa
Bibliografia
GARCIA, S. G.; MARTINS, H. H. T. de S. A sociologia como uma forma de arte, de Robert A. Nisbet. Plural, [S. l.], v. 7, p. 111-130, 2000. DOI: 10.11606/issn.2176-8099.pcso.2000.75487. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/plural/article/view/75487. Acesso em: 14 out. 2020.
https://rosebud.club/post/29062020
https://faustomag.com/bong-joon-ho-o-garoto-de-hollywood/
https://tmjuntos.com.br/comunicacao/quem-e-bong-joon-ho-o-diretor-de-parasita/
https://www.youtube.com/watch?v=WWagb_mrSvs
https://www.youtube.com/watch?v=cLL9KcXUsJU&t=109s
PARASITA. Direção de Bong Joon-Ho. Coréia do Sul: 2019.